“Através da castidade aprendamos a amar a Deus e aos irmãos com amor puro e desinteressado, priorizando sua afeição pelo Senhor, cultivando relacionamentos de amor, fraternidade e amizade, sempre abertos ao amor universal que se deve a todos os homens, em especial aos não amáveis” (ECCSh, 138). (*)
É muito bom e libertador vê o nosso fundador falar de “um amor puro e desinteressado” no exercício do amor aos irmãos. É muito bom vê-lo manifestando a fé de que é possível, a partir da vivência da castidade, viver esses valores dentro dos relacionamentos, desmitificando a idéia errônea de que não é possível viver relacionamentos maduros e construtivos em qualquer um dos estados de vida.
Convenço-me ainda mais de que precisamos de humildade e de confiança em Deus para acolhermos quem realmente somos, fracos, mas amados e sustentados pela graça de Deus. Sim, não somos perfeitos e acabados, e nunca o seremos nesta vida, mas somos pessoas que caminham à luz do amor que dá sentido ao nosso viver. É uma grande graça saber e crer que, embora tenhamos nossas feridas e carências, é possível vivermos a gratuidade do amor de Deus e o respeito um pelo outro, dando provas deste mesmo amor aos nossos irmãos. “Faz parte do plano do Senhor para nos dar relacionamentos novos, maduros, adultos, verdadeiramente fundamentados no Senhor, que os ventos e tempestades não podem derrubar, pois se fundamentam na vontade de Deus e foram já provados pelo fogo” (RVSh 263).
Os relacionamentos humanos se desenvolvem em meio aos desafios, pois não somos anjos e não se aprende a se relacionar somente lendo livros, somente navegando nas comunidades virtuais ou ainda fazendo belos discursos. Os novos relacionamentos só podem ser construídos e amadurecidos na escola da vida, na convivência e na luz do amor de Deus.
Pena é que temos muito medo de nos expor e é mais cômodo ficar nas nossas seguranças do que “se sujeitar a estar sob o olhar e os juízos dos outros”. A convivência é uma escola de autoconhecimento salutar e salvífico quando é Deus o centro. Caso contrário, corremos o risco de vivermos no nosso fechamento. Alegro-me pelo fato de muitas pessoas terem se decidido a trilhar este feliz caminho.
“É anseio do coração do Amado que nos dediquemos a dar provas de amor uns para com os outros. O amor aos irmãos é uma maneira concreta de mostrarmos o quanto amamos o nosso Amado, amando aquele a quem tanto Ele ama e por quem Ele deu a sua própria vida” (ECCSh 228). Os nossos Estatutos dizem ainda que esse amor aos nossos irmãos não pode ser um “amor exclusivo” e que “Cristo é o nosso referencial de todo amor humano”.
Não existe relacionamento sem a convivência. É preciso conviver, deixar-se conhecer, brincar, partilhar, dar prova de amor sem ter medo do que possam pensar de nós. É preciso escolher e estar disposto a correr riscos. O próprio amor infinito de Deus correu todos os riscos por nós ao nos criar livres, capazes de acolher e de rejeitar este amor. Não existe amor sem riscos. Não existe amizade sem riscos”, diz Maria Emmir (Fio de Ouro, p. 208).
A amizade nasce da arte da relação e é portadora de força criativa. Assim diz Maria Emmir: “Os relacionamentos sadios e a amizade autêntica, abrem a pessoa para os outros, para o mundo, para certeza de ser amada, para a segurança de ser digna de amor. Emprestam-lhe novo ânimo na vida. Novo entusiasmo no trabalho, enchem sua vida de sentido, fazem-na voltar para Deus, que é a plenitude da amizade. È preciso ter paciência de orientar e esperar que passem as fases iniciais da amizade… , só depois chegará à fase mais madura, mais realista, até acompanhá-las à fase da prova, da decepção e da amizade mais profunda” (Fio de Ouro, p. 207).
A caridade de Cristo nos faz um com ele e, por isso já não carregamos mais o peso de termos o outro como inimigo. “O outro não é o meu inferno”, como declarou o filósofo Sartre, fazendo referência à questão da liberdade. Cristo nos redimiu de todo pecado e também redimiu o amor que escravo estava dos prazeres carnais. “O amor erótico” (Eros) é também belo, mas quando revestido do “amor agápico”, irradia a sua força que faz sublimar os relacionamentos e todo o Ser.
Sair do casulo é sempre um movimento delicado e até doloroso muitas vezes, mas se feito em Deus, certamente nossa vida viverá relacionamentos novos. A caridade fraterna guiada pela Providência de Deus nos faz perceber também aqueles com quem queremos partilhar mais de perto as nossas dores e alegrias, os nossos segredos, a vida de Deus que vai moldando a nossa. Cristo nos mostrou que é uma necessidade do coração do homem partilhar a vida com os outros e, de forma especial, com alguns mais próximos.
Ajude-nos, Senhor, a sairmos dos nossos casulos, ainda que nos custe muito, nos custe o perder o que é lícito, a renúncia ou ainda aquela experiência de ser exposto diante dos outros, dos irmãos. O verdadeiro amor é aquele que provém da amizade contigo. Dá-nos a graça de sairmos de nossos mundos, traumas e medos para manifestar a vitória do teu amor aos homens, vitória do teu amor também na construção de relacionamentos castos e fecundos . O teu amor renova o sentido da vida e nos disponibiliza para o exercício existencial do amar até o extremo! “Assim como o Pai me amou, também eu vos amei. Permanecei em meu amor… Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,9.13). Para gerar vida é preciso morrer pra si mesmo, é preciso sair do casulo.
(* As citações referentes às Regras de Vida Shalom/RVSh, são encontradas no texto antigo, anterior aos Escritos. Portanto, acessível somente aos membros da Comunidade Católica Shalom) – “Fio de Ouro. Maria Emmir e Dra. Sílvia Lemos, Edições Shalom, Fortaleza/CE.
Antonio Marcos
Consagrado na Comunidade de Vida Shalom
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